Entre
os dias 18 a 22 de maio, um outro círculo de mulheres foi iniciado
em Oaxaca. Organizado pela Escola Nueve Lunas em parceria com a
ESCTA/Cais do Parto, reuniu parteiras, aprendizes de parteiras e
mulheres que de alguma forma estão nesse caminhar. Mulheres de
diversos lugares do México e também de outros países como Peru,
Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos.
Durante
4 dias, Escutá-las foi como uma imersão, significou um mergulho nas
histórias de cada uma das mulheres reunidas, que se intercalava com
atividades de iniciação à parteira, no sentido de despertar o
feminino,entrar em contato com os 4 elementos e com a espiritualidade
imanente da tradição das parteiras.
Foram
dias de profundo autoconhecimento e também
de discutir importantes temas políticos, entre eles, a polêmica
entre tradição x hospital. Ao longo das vivências e dos debates, o
interesse foi tentar separar a importância de cada abordagem, sem
radicalismos nem e fundamentalismos em
torno do que defendemos, apenas para respeitar e separar o lugar de
cada uma: não é possível fundir a tradição no hospital, porque
vai se cometer um duplo constrangimento, seja para um ambiente que
foi construído e pensado pra agregar outras práticas, seja para a
tradição que não vai conseguir ser dignamente praticada.


Assim,
avançamos para dialogar que um parto vaginal pode ocorrer em
qualquer lugar, inclusive no hospital, mas um parto natural não,
porque não é natural o ambiente hospitalar para um parto, quando o
hospital é necessário, já deixou de ser natural. Apenas em
ambiente como o próprio domicílio um parto pode ser natural,
conectando a força daquela mulher com a natureza, com seus
familiares e com a proteção da tradição do partejar.
Foram
dias de muitas transformações, seja no aperfeiçoamento de
conceitos e de posicionamentos políticos, seja na reflexão
subjetiva que trouxe diversos desafios a serem enfrentados pelas
mulheres.
"Escutá-las
foi como um espelho, ver nas suas histórias fragmentos do meu
sentir. Todas estamos, ou passamos em algum momento pelas mesmas
dores e dificuldades e apesar de suas especificidades, assumimos:
Precisamos fazer esse trabalho! Um grupo grande, forte unido, todas
buscando a mesma coisa e com uma guiança muito forte e clara."
(Núria,
Guadalajara México)
ENCONTRO DE ABUELAS
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Duas Abuelas Parteiras Tradicionais: D. Hermila e Suely |
Neta
e filha de Parteiras, Doña Hermila Diego Gonzalez, de 82 anos,
parteira tradicional, curandeira e rezadeira representa com muita
honra a sua ancestralidade e os saberes repassados de geração para
geração em sua família. Mãe de 4 filhos, repassou à eles seus
conhecimentos e hoje conta orgulhosa que todos trabalham com curas,
mesmo que tenham buscado a formação acadêmica.
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Medicinas naturais na botica da tradição de D. Hermila |
D.
Hermila abriu sua casa, na manhã de domingo dia 17 de Maio, para nos
contar um pouco de sua vida e seu trabalho reconhecido como “medica
tradicional”. Ela vive na área urbana de Oaxaca e é grande a
demanda por seu trabalho de cura. É convidada para ensinar em vários
lugares do mundo e acessa e-mail (seu endereço eletrônico tem a
palavra em zapoteco nisbaan,
que significa água de vida).
Sua
casa é também seu consultório, onde além de atender mulheres
grávidas, faz os chás, os cremes pomadas, as tinturas e todas as
medicinas com ervas. Desenvolve remédios naturais indicadas para
inumeras enfermidades além de revitalizantes e até uma pomada
analgésica feita a partir do Peyote (cacto medicinal), entre outros.
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Consultório na Casa de D. Hermila |
Foi
uma conversa fluida e gostosa regada a água
de limon,
onde as duas mestras, que se conhecem de longa data, se
reencontraram: D. Hermila e Suely Carvalho. Elas trocaram receitas e
informações sobre ervas e D. Hermila nos contou suas histórias e o
quanto sua missão é importante. Em certa ocasião foi convidada
junto com outras rezadeiras e curandeiras de varios lugares do País
para a visita do Papa João Paulo II, quando este esteve na Cidade do
México, na oportunidade mostraram seu trabalho realizando uma
limpeza energética no ilustre visitante católico.
Uma
das medicinas que utiliza é o temazcal, que quer dizer “casa do
vapor’. É uma das cerimônias mais antigas que existe em
diferentes culturas de origem nos povos indigenas , representando o
útero da mãe terra, também usado para as mulheres
antes-durante-após o parto, fazendo uma limpeza em todos seus corpos
(físico, emocional e espiritual), tratando e prevenindo doenças em
todos os níveis. O temazcal é realizado dentro de uma estrutura
circular, fechada com somente uma pequena entrada semelhante ao iglu,
no centro são colocadas pedras incandecidas em fogueira e um chá
de ervas aspergido nas pedas que fazem o vapor medicinal junta-se os
cantos os rezos que promove catarses, curas. D. Hermila afirma que
seu temazcal não é como os que viu sendo feito em outros países
com base na cultura andina e estadunidense ela realiza um ritual
simples e original que aprendeu com sua avó.
O ENCONTRO TÃO ESPERADO COM D. QUETA
O
último grande encontro em Oaxaca foi com Henriqueta Contreras –
Doña Queta. É verdade que esta viagem foi planejada para estarmos
mais tempo com essa senhora tão sábia e tão especial, mas algumas
limitações de saúde e uma cirurgia a qual foi submetida no início
de maio, impossibilitou uma vivência mais demorada com ela.
Passamos
uma tarde com D. Queta em sua florida casa. No México, percebemos
que é comum mestras e mestres da medicina tradicional (esse termo
aqui está relacionado com a tradição dos povos indígenas) terem
em suas casas um espaço para produzir medicinas, expor seus produtos
e atender pessoas.
Conhecemos,
então, sua casa que possui um quarto de oração, um temazcal, um
espaço de produção das medicinas e um quarto organizado como uma
farmácia, uma verdadeira botica da tradição! Ali, diversas
medicinas em tinturas, pomadas, pacotes de ervas, tudo muito limpo e
organizado em ordem alfabética!
Visita
a Abuela Julieta
Após
a imersão, enfrentamos uma viagem de 6h em estradas cheias de curvas
para subir as montanhas que levam a Hualtla, cidade da famosa
sacerdotisa Maria Sabina. Hualtla, que na língua mazateca, significa
'lugar das águias", é uma cidade localizada no norte do estado
de Oaxaca, a mais de 1500m de altitude e com aproximadamente 68mil
habitantes.
Nossa
busca em Hualtla era fazer contato com Doña Julia Julieta,
sacerdotisa e curandeira, representante do México no movimento das
13 Abuelas Internacionais. Felizmente, tivemos muita sorte, a casa da
doña Julieta ficava a poucos quarteirões da pousada onde nos
instalamos e logo fomos ao seu encontro. Doña Julieta nos recebeu
com alegria! Conversou com Suely Carvalho, relembrando cenas do últmo
encontro das Abuelas em estiveram juntas e também nos contou sobre
seu trabalho, sua família, falou de política, de seus planos de
viagens e nos mostrou peças de artesanato bordadas por ela mesma.

Acertamos
com ela para voltar mais tarde para uma cerimônia de consagração
de cogumelos, "los niños sagrados" como são
chamados por lá. Chegado o momento, fomos brindadas com um lindo
ritual com a participação de vários membros da família de nossa
abuelita, inclusive um neto de apenas 10 anos que cantava
lindamente. Estávamos ansiosas por essa experiência de expansão de
consciência e, felizmente, fomos abençoadas com um momento intenso
de muita luz, autoconhecimento e cura para todas nós.
No
dia seguinte, passeamos pelo comércio local para conhecer o mercado
municipal e a enorme feira da cidade e também desfrutamos da
surpreendente culinária Hualteca. Tantos sons, cheiros e sabores
incríveis nos faziam sentir de todas as formas o prazer dessa
maravilhosa imersão na cultura mexicana. Mas, como tudo que é bom
dura pouco, nossa breve passagem de menos de 24h por Hualtla chegou
ao fim e embarcamos novamente para encarar mais 6h de viagem, agora
em descida, de volta para a cidade de Oaxaca, de onde seguiremos para
a Cidade do México.