quarta-feira, 27 de maio de 2015

Monte Albán: lugar sagrado da história zapoteca

 
No dia 13 de maio, fizemos uma visita a um dos locais mais sagrados da região de Oaxaca, o sítio arqueológico Monte Albán, onde também conhecemos o museu do Instituto Nacional de Antropologia e História do México (INAH).
Enquanto subíamos a montanha - as ruínas de Monte Albán se encontram elevadas 400m em relação aos três vales de Oaxaca – fomos deixando para trás nossa curiosidade turística e nos conectando com a memória do povo Zapoteca, as raízes de sua sabedoria e espiritualidade. Acredita-se que nome original do lugar seria Danibaan: “Montanha Sagrada” ou Danibéeje: “Colina do Jaguar”.  

A visão do alto da colina é de tirar o fôlego! Desde a cidade que havia ali, capital dos Zapotecas - estima-se que atingiu 35.000 habitantes em seu apogeu entre os anos 500 a.c e 800 d.c - era possível observar grandes distâncias. Hoje vemos a urbanidade brotando nos vales, casas aparentemente penduradas no corpo da montanha (que resistem a terremotos!), o movimento e as cores de Oaxaca, lugar de cultura mestiça como o Brasil.
No museu vimos o panorama geral da história de Monte Albán contada através de objetos cerimoniais antigos, estelas de pedra gravadas, fotos das pinturas encontradas no interior de tumbas construídas ali, além de crânios que passaram por misteriosas intervenções cirúrgicas para mudar sua forma e mutilações dentárias.
Caminhamos pelo campo adornado por sua árida vegetação embaixo de um sol forte. O sítio tem árvores acolhedoras, debaixo das quais os vistantes descansam e meditam em silêncio sentindo a energia do lugar. Neste lugar encontramos o Zapoteco Filadelfo, homem de meia idade artesão, guia local e contador de histórias do seu povo e do lugar. 
Adquirimos um instrumento ritualístico gravado com símbolos sagrados e o Zapoteco contador de historia imprimiu a historia e a energia dos simbolos. No instrumento com som de maraca (ou chocalho) estão representados os ciclos da vida, os animais de poder, os quatro elementos, o maiz (milho, alimento nutritivo e sagrado) que cresce em direção ao céu e a união do masculino e feminino que materializa o espírito em direção a terra. A montanha generosa nos conta e nos oferece a cura através das plantas medicinais do lugar: hierba del cancer, arnica, flores de guayaba...

Monte Albán é um importante sítio arqueológico situado a cerca de dez quilómetros de Oaxaca de Juárez, estado de Oaxaca, México. Trata-se de uma das mais antigas cidades pré-hispânicas, tendo sido capital dos Zapotecas, e cujo apogeu se verificou entre os anos 500 a.C. e 800. Estima-se que a sua população tenha atingido os 35 000 habitantes e foi construída sobre uma colina cujo topo foi aplanado pelos seus construtores e que se encontra elevada 400m relativamente aos três vales de Oaxaca o que permitia aos seus habitantes a observação da região circundante até grandes distâncias. Monte Albán (espanhol para monte branco) era conhecida pelos zapotecas como Danipaguache (montanha sagrada da vida) e os astecas chamavam-lhe Ocelotepec (montanha do jaguar). O sítio de Monte Albán foi declarado Património Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1987.
 

terça-feira, 26 de maio de 2015

Parteiras tradicionais: "sempre existimos e sempre existiremos!"

Avaliação da gestação
 O encontro das escolas de parteria do México e Brasil significa uma grande oportunidade de aprofundar o sentido do partejar no contexto político e social, poucos dias depois de uma manifestação pública de protesto das parteiras na Argentina (maio), onde um decreto do Ministério de Saúde daquele país proibia o parto nos domicílios. No México, a prática do parto natural domiciliar foi reduzida drasticamente, quando o governo federal condiciona benefícios sociais para famílias desfavorecidas economicamente ao nascimento em hospitais. Assim, percebemos um cerco se fechando em diversos países para o controle do corpo feminino, a limitação das suas escolhas e direitos, o mecanicismo invasivo e desrespeitoso às vidas que nascem além da discriminação e desrespeito à tradição das parteiras desde a ancestralidade.

Sobre isso, a mestra parteira Suely Carvalho afirma: “Sempre existimos e sempre existiremos! Nem mesmo as fogueiras da Inquisição da intolerância conseguiram nos exterminar”. Propõe que as escolas de parteiras se dediquem em construir as estratégias de resistência, onde a Roda de Casais grávidos é fundamental para formação de opinião da sociedade, mas além disso, chama atenção para que, em todo lugar onde estejamos, nos apresentarmos como parteira, ela afirma: Isso vai gerar longos diálogos e a nossa responsabilidade de afirmarmos nossa presença na sociedade. Isso também é um compromisso com a identidade cultural: 

Um país que perdeu suas parteiras tradicionais perdeu sua identidade cultural, é um país triste.

D. Meche - Parteira tradicional de Teotitlan Del Valle
Antes da década de 90 no Brasil e do trabalho do C.A.I.S. do Parto, a sociedade não tinha notícias da existência das parteiras tradicionais, sendo Suely Carvalho a pioneira nesse trabalho e na construção de metodologias para trabalhar com parteiras e famílias. Entre elas, a metodologia de capacitação de parteiras tradicionais absorvida pelo Ministério da Saúde do Brasil, as Rodas de Casais Grávidos que já existem 14 estados brasileiros e 3 países e já é copiada inclusive por quem não pratica a tradição ancestral, conduzidas por parteiras e doulas na Tradição, aprendizes da nossa escola, ESCTA: Escola de Saberes Cultura e Tradição Ancestral do CAIS do Parto.

Assim, a ESCTA cumpre um importante papel no Brasil e internacionalmente, onde através de intercâmbios como este, mantêm, fortalece e revitaliza a tradição do partejar e constrói rede. Sermos guardiãs da tradição das parteiras é nossa missão e aqui estamos a cumpri-la!

Círculo Internacional de Iniciação à Pateria Tradicional e Encontro de abuelas marcam o Intercambio!

Entre os dias 18 a 22 de maio, um outro círculo de mulheres foi iniciado em Oaxaca. Organizado pela Escola Nueve Lunas em parceria com a ESCTA/Cais do Parto, reuniu parteiras, aprendizes de parteiras e mulheres que de alguma forma estão nesse caminhar. Mulheres de diversos lugares do México e também de outros países como Peru, Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos.




Durante 4 dias, Escutá-las foi como uma imersão, significou um mergulho nas histórias de cada uma das mulheres reunidas, que se intercalava com atividades de iniciação à parteira, no sentido de despertar o feminino,entrar em contato com os 4 elementos e com a espiritualidade imanente da tradição das parteiras.

Foram dias de profundo autoconhecimento e também de discutir importantes temas políticos, entre eles, a polêmica entre tradição x hospital. Ao longo das vivências e dos debates, o interesse foi tentar separar a importância de cada abordagem, sem radicalismos nem fundamentalismos em torno do que defendemos, apenas para respeitar e separar o lugar de cada uma: não é possível fundir a tradição no hospital, porque vai se cometer um duplo constrangimento, seja para um ambiente que foi construído e pensado pra agregar outras práticas, seja para a tradição que não vai conseguir ser dignamente praticada.





Assim, avançamos para dialogar que um parto vaginal pode ocorrer em qualquer lugar, inclusive no hospital, mas um parto natural não, porque não é natural o ambiente hospitalar para um parto, quando o hospital é necessário, já deixou de ser natural. Apenas em ambiente como o próprio domicílio um parto pode ser natural, conectando a força daquela mulher com a natureza, com seus familiares e com a proteção da tradição do partejar.

Foram dias de muitas transformações, seja no aperfeiçoamento de conceitos e de posicionamentos políticos, seja na reflexão subjetiva que trouxe diversos desafios a serem enfrentados pelas mulheres.



"Escutá-las foi como um espelho, ver nas suas histórias fragmentos do meu sentir. Todas estamos, ou passamos em algum momento pelas mesmas dores e dificuldades e apesar de suas especificidades, assumimos: Precisamos fazer esse trabalho! Um grupo grande, forte unido, todas buscando a mesma coisa e com uma guiança muito forte e clara."

(Núria, Guadalajara México)



ENCONTRO DE ABUELAS

Duas Abuelas Parteiras Tradicionais: D. Hermila e Suely


Neta e filha de Parteiras, Doña Hermila Diego Gonzalez, de 82 anos, parteira tradicional, curandeira e rezadeira representa com muita honra a sua ancestralidade e os saberes repassados de geração para geração em sua família. Mãe de 4 filhos, repassou à eles seus conhecimentos e hoje conta orgulhosa que todos trabalham com curas, mesmo que tenham buscado a formação acadêmica.
Medicinas naturais na botica da tradição de D. Hermila
 D. Hermila abriu sua casa, na manhã de domingo dia 17 de Maio, para nos contar um pouco de sua vida e seu trabalho reconhecido como “medica tradicional”. Ela vive na área urbana de Oaxaca e é grande a demanda por seu trabalho de cura. É convidada para ensinar em vários lugares do mundo e acessa e-mail (seu endereço eletrônico tem a palavra em zapoteco nisbaan, que significa água de vida).
Sua casa é também seu consultório, onde além de atender mulheres grávidas, faz os chás, os cremes pomadas, as tinturas e todas as medicinas com ervas. Desenvolve remédios naturais indicadas para inumeras enfermidades além de revitalizantes e até uma pomada analgésica feita a partir do Peyote (cacto medicinal), entre outros.
Consultório na Casa de D. Hermila
 Foi uma conversa fluida e gostosa regada a água de limon, onde as duas mestras, que se conhecem de longa data, se reencontraram: D. Hermila e Suely Carvalho. Elas trocaram receitas e informações sobre ervas e D. Hermila nos contou suas histórias e o quanto sua missão é importante. Em certa ocasião foi convidada junto com outras rezadeiras e curandeiras de varios lugares do País para a visita do Papa João Paulo II, quando este esteve na Cidade do México, na oportunidade mostraram seu trabalho realizando uma limpeza energética no ilustre visitante católico.

Uma das medicinas que utiliza é o temazcal, que quer dizer “casa do vapor’. É uma das cerimônias mais antigas que existe em diferentes culturas de origem nos povos indigenas , representando o útero da mãe terra, também usado para as mulheres antes-durante-após o parto, fazendo uma limpeza em todos seus corpos (físico, emocional e espiritual), tratando e prevenindo doenças em todos os níveis. O temazcal é realizado dentro de uma estrutura circular, fechada com somente uma pequena entrada semelhante ao iglu, no centro são colocadas pedras incandecidas em fogueira e um chá de ervas aspergido nas pedas que fazem o vapor medicinal junta-se os cantos os rezos que promove catarses, curas. D. Hermila afirma que seu temazcal não é como os que viu sendo feito em outros países com base na cultura andina e estadunidense ela realiza um ritual simples e original que aprendeu com sua avó.

O ENCONTRO TÃO ESPERADO COM D. QUETA


O último grande encontro em Oaxaca foi com Henriqueta Contreras – Doña Queta. É verdade que esta viagem foi planejada para estarmos mais tempo com essa senhora tão sábia e tão especial, mas algumas limitações de saúde e uma cirurgia a qual foi submetida no início de maio, impossibilitou uma vivência mais demorada com ela.
Passamos uma tarde com D. Queta em sua florida casa. No México, percebemos que é comum mestras e mestres da medicina tradicional (esse termo aqui está relacionado com a tradição dos povos indígenas) terem em suas casas um espaço para produzir medicinas, expor seus produtos e atender pessoas.

Conhecemos, então, sua casa que possui um quarto de oração, um temazcal, um espaço de produção das medicinas e um quarto organizado como uma farmácia, uma verdadeira botica da tradição! Ali, diversas medicinas em tinturas, pomadas, pacotes de ervas, tudo muito limpo e organizado em ordem alfabética!

Visita a Abuela Julieta


Após a imersão, enfrentamos uma viagem de 6h em estradas cheias de curvas para subir as montanhas que levam a Hualtla, cidade da famosa sacerdotisa Maria Sabina. Hualtla, que na língua mazateca, significa 'lugar das águias", é uma cidade localizada no norte do estado de Oaxaca, a mais de 1500m de altitude e com aproximadamente 68mil habitantes.

Nossa busca em Hualtla era fazer contato com Doña Julia Julieta, sacerdotisa e curandeira, representante do México no movimento das 13 Abuelas Internacionais. Felizmente, tivemos muita sorte, a casa da doña Julieta ficava a poucos quarteirões da pousada onde nos instalamos e logo fomos ao seu encontro. Doña Julieta nos recebeu com alegria! Conversou com Suely Carvalho, relembrando cenas do últmo encontro das Abuelas em estiveram juntas e também nos contou sobre seu trabalho, sua família, falou de política, de seus planos de viagens e nos mostrou peças de artesanato bordadas por ela mesma.


Acertamos com ela para voltar mais tarde para uma cerimônia de consagração de cogumelos, "los niños sagrados" como são chamados por lá. Chegado o momento, fomos brindadas com um lindo ritual com a participação de vários membros da família de nossa abuelita, inclusive um neto de apenas 10 anos que cantava lindamente. Estávamos ansiosas por essa experiência de expansão de consciência e, felizmente, fomos abençoadas com um momento intenso de muita luz, autoconhecimento e cura para todas nós.

No dia seguinte, passeamos pelo comércio local para conhecer o mercado municipal e a enorme feira da cidade e também desfrutamos da surpreendente culinária Hualteca. Tantos sons, cheiros e sabores incríveis nos faziam sentir de todas as formas o prazer dessa maravilhosa imersão na cultura mexicana. Mas, como tudo que é bom dura pouco, nossa breve passagem de menos de 24h por Hualtla chegou ao fim e embarcamos novamente para encarar mais 6h de viagem, agora em descida, de volta para a cidade de Oaxaca, de onde seguiremos para a Cidade do México.


O 7º Círculo da Escola Nueves Lunas e o Intercambio Brasil- México do Partejar!


Nas fotos: Cerimônia de abertura do 7º círculo
Entre os dias 14 e 16 de maio, participamos do círculo 7 da 3º geração da Escola de Iniciação à Parteria Nueve Lunas. O início dessa vivência foi marcada por uma homenagem com flores e cânticos às parteiras anciãs D. Meche, Suely Carvalho e D. Yolanda, seguida de uma cerimônia incensada com copal e brindada com mezcal (bebida natural típica das cerimonias espirituais e culturais feita de Agave planta nativa) , que celebrou e honrou a Pachamama, saudando as 4 direções, a vida e os saberes das parteiras, assim como o elo de espiritualidade e ancestralidade entre os dois países: Brasil e México.

Homenagem às parteiras tradicionais anciãs
Seguiu-se uma vivência coletiva repleta de simplicidade e carinho: nós trançamos e florimos os cabelos umas das outras, florindo nossas almas alegria e acolhimento, a partir dos costumes tradicionais das mulheres mexicanas com seus cabelos.

A partir daí, o círculo estava formado para as rodas de conversa por dois longos e intensos dias. Suely Carvalho conduziu a roda como faz em nossa escola no Brasil, a partir da Pedagogia da Oralidade. Partilhou suas próprias histórias de vida e a sabedoria que adquiriu em 41 anos de parteria.


Vivência de honra à ancestralidade
Para contextualizar as diversas aprendizes, ávidas pelos ensinamentos, Suely abordou por diversas vezes o sentido do caminho da parteria: “Se uma mulher está numa escola de parteira é por que herdou esse dom, pode até não se saber de onde ou de quem herdou, se buscar em sua linhagem irá encontrar e com certeza é herdeira traz dentro de si o caminho. O que fazemos é ajudá-la a acessar essa tradição, realizando as aberturas clarezas e as curas necessárias”. Valores como humildade e reconhecimento das mestras que é sua fonte de saber e o manejo da energia espiritual, caracteriza a parteria tradicional como uma prática ancestral universal. Para exercer este papel, a parteira realiza uma longa caminhada de amadurecimento emocional experiências vividas que vai muito além do domínio das técnicas.

Mestras da Escola Nueves Lunas recebem presente do grupo do Brasil

O círculo encerrou-se no sábado com o ritual dos 4 elementos, onde se firmou compromissos importantes das futuras parteiras da Escola Nueves Lunas. A mestra Suely convidou cada participante para afirmar seu compromisso com a Tradição e com a Pachamama assumindo principalmente o compromisso de guardiã das águas do Planeta, orientando, educando, facilitando para que as próximas gerações tenham água para existir, assim como nós, onde há água há vida.

Ritual dos 4 elementos

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Trança: um conto mexicano e um carinho florido das hermanas da Escola Nueves Lunas

 “Dizia minha vó que quando uma mulher se sentia triste o melhor que podia fazer era trançar o seu cabelo. E que desta maneira a dor ficaria trançada nos cabelos e não poderia chegar ate o resto do corpo.

Tinha que ter cuidado para que a tristeza não se meter nos olhos pois o faria chover, tão pouco era bom deixar a tristeza entrar em nossos lábios, pois os obrigaria a dizer coisas que não eram certas… que não entrasse entre suas mãos, me dizia…

Porque poderia deixar queimar o café ou deixar crua a massa. E a tristeza gosta de sabores amargos.

Quando te sentir triste menina, trance seu cabelo, prenda a dor num pedaço de madeira e deixe-o escapar quando o vento do norte pegar com muita força.

Nosso cabelo é uma rede capaz de prender tudo, é forte como as raízes do ahuehuete (planta tradicional mexicana) e suave como a espuma do atole.

Não se apegue a melancolia menina, ainda tendo o coração partido nos ossos por alguma ausência. Não a deixe se misturar com seus cabelos soltos, porque fluirá na cascata pelos canais que a lua tem traçado entre o teu corpo.

Trance tua tristeza, dizia, sempre…trance sua tristeza.

E na manhã ao acordar com o canto do pássaro, ele encontrará a tristeza pálida e desvanecida entre o trançar dos teus cabelos…”


Texto: Paola Klug
Tradução: Lalita e amigos
Imagen: Mujer indígena de Tehuantepec de Alfredo Ramos
fonte: http://paolak.wordpress.com/2014/03/04/trenzare-mi-tristeza/


 Todas essas imagens são da vivência de integração e trocas de carinhos entre as parteiras e aprendizes das duas escolas de parteiras durante o Intercâmbio Brasil México 


 

sábado, 16 de maio de 2015

Roda de Casais Grávidos abre oficialmente o Intercâmbio de Parteiras Tradicionais.



Neste 12 de maio, na sede do C.A.M.P.O. (Centro de Apoio ao Movimento Popular Oaxaqueño), teve início oficialmente o intercâmbio entre as escolas de parteiras tradicionais do Brasil e do México com a Roda de Casais Grávidos, metodologia de autoria do C.A.I.S. do Parto, criada há 25 anos e aplicadas em 14 estados do Brasil e também na Argentina e Chile, sempre às terças-feiras a noite em todos os lugares.


A roda foi aberta com a Mestra Maria Cristina Galante dando as boas vindas ao grupo do Brasil e seguiu de acordo com a metodologia desenvolvida pelo C.A.I.S do Parto, apresentação de todos os presentes, gestantes e casais grávidos, parteiras de gerações anteriores da Escola e aprendizes atuais. Suely Carvalho, criadora desta metodologia, salientou a importância da apresentação para afirmar a presença física e energética de todos os participantes da roda.

Maria Cristina diz que: “Este encontro é importante para fortalecer os elos da parteria. Eu vejo a relação entre as escolas de parteiras como uma pirâmide Brasil – México - Argentina, uma figura de força para permitir que a parteria na Tradição se sustente e enraíze. A presença das parteiras do Brasil em nosso país fortalece a nossa prática e o trabalho das alunas em suas regiões, para que as parteiras superem a falta de reconhecimento e perseguições.”


Em seguida, a Mestra e Parteira Tradicional Suely Carvalho partilhou que apesar de todos os problemas sociais, econômicos e culturais, de gênero e de geração, tão semelhantes entre os dois países, há esperança. As novas crianças que estão chegando à Terra desde os anos 80, tem uma importante missão de PAZ. As parteiras, que apesar da repressão sempre vão existir no mundo como um elo entre passado e presente, orientam para que as famílias tenham essa consciência e defendem que, “nascer bem é o primeiro direito humano”


Nós, parteiras tradicionais, acreditamos na natureza feminina, na Pachamama. Somos guardiãs dos saberes das parteiras ancestrais. Essas rodas funcionam como um ponto de encontro de pessoas formadoras de opinião, ajudando na continuidade desse saber”, diz Suely Carvalho.

Assim como acontece em outras rodas que utilizam esta metodologia, a palavra é aberta e as pessoas participam com suas histórias, dúvidas, experiências, inseguranças e sentimentos. “Aqui falamos de assuntos além do parto. Falamos sobre a vida como um todo” afirma a parteira.

Em seguida aconteceu o “Colo” com três mulheres com data próxima para o parto que estão sendo acompanhadas por parteiras da Escola Nueve Lunas. Trata-se de uma cerimônia de nossa Tradição para despedida da barriga, um momento especial de bênçãos e acolhimento para família que vai dar a luz.
 

A roda se encerrou com o exame individual de todas as grávidas, por ordem do tempo de gestação, assim as outras gestantes e todos os presentes se aproximam para escutar o coração do bebê, ver a posição em que se encontra e também receber as orientações de nutrição, indicações de medicinas naturais e terapias que possam ajudar na preparação saudável para o parto e nascimento.

 
Terminado o evento que deu início a esse intercâmbio, um casal grávido ofereceu a todos os presentes a cerveja Calenda, de produção artesanal e agroecológica e assim brindamos a alegria de estamos juntos, dando Gracias a la vida!!!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Lugares de poder em Santa Maria Del Tule e Teotitlan del Valle

 
Nos intervalos das atividades junto à Escola Nueve Lunas, construímos um pequeno roteiro de visitações em lugares de poder dos povos desse lugar. O primeiro destino foi conhecer a Árvore de Tule, localizada no município de Santa María del Tule, próximo à cidade de Oaxaca de Juárez.
Seu tronco tem 58,00m de circunferência, 14,05 m de diâmetro e sua altura é de 42 m. Com a idade estimada em mais de 2000 anos, esta árvore é uma das maiores do mundo. É conhecida como Ahuehuete, cipreste mexicano.


Árvore de Tule
 Estar diante desta antiga senhora, escutando os milhares de pássaros que vivem nela, nos sensibiliza muito. Trata-se de uma entidade anterior à invasão dos espanhóis nestas terras e carrega a energia de povos originários que já a cultuavam como uma anciã. Sentimo-nos honradas, presenteadas e abençoadas.



Seguimos viagem para encontrar outras guardiãs da sabedoria antiga, no pequeno povoado de Teotitlan del Valle - Teotitlan significa "morada dos deuses". Nesta zona zapoteca (o zapoteco e seus dialetos são ainda os primeiros idiomas aprendidos pelo povo dali) se  produz o Mezcal, bebida derivada do agave, tradicional dos vales oaxaqueños, usada também como medicina e oferenda. Fomos recebidas por Dolores Anel, aluna da segunda geração da Escola Nueve Lunas, que nos levou à casa de sua tia e mestra, a parteira tradicional Mercedes Bautista Lôpez, Doña Meche, de 81 anos. Ela herdou o dom de sua mãe e avó e se mostra orgulhosa de estar passando a herança de seu conhecimento para sua sobrinha. Doña Meche começou a atender partos com 17 anos, quando um casal a procurou e sua mãe estava atendendo outro nascimento. Enchendo-se de valor (coragem) e com a certeza de que não poderia deixar de ajudar, ela foi. O menino que nasceu em suas mãos hoje tem filhos adultos e netos também atendidos por ela, três gerações de uma mesma família.

D. Meche com parteiras e aprendiz do Brasil
Atualmente, tia e sobrinha, parteira e aprendiz, atendem partos juntas, "não tantos quanto outrora haviam", nos conta D. Meche, mas a demanda continua, especialmente de mulheres da serra de Oaxaca. Algumas, nos contam, chegam até duas semanas antes da data estimada para o nascimento e ficam com a parteira em sua casa, onde recebem seus filhos. Na alimentação da gestante, ela oferece tortillas tostadas para o bebê crescer forte e no pós-parto, caldo de galinha com atole, o milho tostado, que fortalece e estimula a lactação. 

D. Meche e sua aprendiz e sobrinha Dolores Anel
Doña Meche nos mostrou manobras com rebozo - o pano de algodão tradicional onde muitas mexicanas carregam seus filhos e suas coisas, assim como também se agasalham e se enfeitam - para posicionar o bebê no útero. Também nos mostrou as posições que as mulheres de diferentes comunidades escolhem para parir, de acordo com sua cultura. Para elas, é importante que a placenta seja enterrada ou queimada enterrando suas cinzas, para que as crianças não esqueçam de sua raiz e sempre voltem para o local onde nasceram.

D. Maria
 A próxima visita foi à casa da curandeira Doña Maria, que também ensina as alunas da Escola Nueve Lunas. Dentro de Teotitlan nos movemos em um tradicional moto-taxi, com 3 lugares para passageiro. No espaço de consultas de sua casa, recebemos uma limpeza energética com plantas e D. Maria fez conosco o diagnóstico do ovo, antiga técnica de averiguar as moléstias de seus pacientes através de um ovo quebrado em um copo de água. Nos receitou um chá de erva de câncer, planta nativa dos montes oaxaqueños usada para curar o "empacho" (dificuldade no sistema digestivo), que também serve como cicatrizante e tonificante especialmente para mães recentes.  

Diário de Bordo: Conexão Cidade do México – Oaxaca! Chegamos!



                                                                      Amanhecer do dia em Oaxaca

 Nós chegamos à cidade do México na manhã do dia 09 de maio. Do aeroporto, seguimos para Tapo (Terminal de Autobuses Poniente), uma das rodoviárias do DF e fomos em direção à cidade de Oaxaca, cujo estado carrega o mesmo nome, localizada ao Sul do país, 500km da capital. Nossos corações palpitavam. Desde antes de embarcar um misto de ansiedade, alegria e deslumbramento pela oportunidade da comunhão da ESCTA - C.A.I.S do Parto reunindo parteiras de diferentes estados do Brasil e sua mestra, ao encontro da Escola Nueve Lunas e de um país riquíssimo culturalmente.

Em restaurante no Zóculo, provando o chocolate tradicional.

Saímos da cidade do México e cortamos altas serras para ver uma paisagem se apresentando pouco a pouco, uma beleza que se aproxima da região da Chapada Diamantina na Bahia, mas que também se assemelhava a algumas paisagens de filmes de faroeste. Uma vegetação rasteira e a presença marcante de cactos vai nos impressionando pelo seu volume que, a certa altura nos dá impressão de estamos rodeados de uma floresta deles. Como se não bastasse, a Serra Mixteca, que está entre as regiões montanhosas geologicamente mais antigas do México, localizada entre os estados de Puebla e Oaxaca, conclui o deslumbre da viagem ao nos por à 1800 m de altitude durante o pôr do sol do dia 09 de maio .

Era noite quando chegamos à Oaxaca. Celulares descarregados e a linha rodoviária que pegamos não parava no mesmo terminal rodoviário que nossas anfitriãs da Escola Nueve Lunas estavam a nos recepcionar. Um pequeno desencontro, mas nada que pudesse nos prejudicar. Era pouco mais que 22h e nos organizamos em 3 táxis a percorrer as ruas do centro da cidade em busca de hospedagem até pousarmos no Hotel Via Alta, na Rua Miguel Cabrera, bem próximo ao centro histórico.


Celebração entre as duas escolas

A partir de então, estivemos por três dias hospedadas ali para nos ambientar com a cultura local, o idioma e nos adaptar aos costumes do lugar nesse início de intercâmbio. Também foi oportuno o encontro com as coordenadoras da Escola Nueves Lunas Cris e Araceli, para as confirmações e detalhamento do planejamento das atividades para os dias que vão se seguir, mas também para celebração desse importante encontro entre países, escolas e culturas.

Mercado de Artesanato Benito Juárez.

Esses primeiros dias se passaram nos impressionando pela riqueza da cocina oaxaqueña: a pimenta sempre presente nos cardápios em geral, as tortilhas (mais especificamente as Tlayudas servidas com feijões, queijo, carne, etc) e a guaca mole; também pela beleza do povo zapoteca, de suas cores, artesanato, das flores cotidianas e de uma cidade com muita história viva e cultura indígena impressionantes.



No centro histórico, passamos muitas horas desses dias no entorno do Zócalo (como são chamadas no México as praças centrais das cidades) onde estão concentradas lojas, restaurantes, a catedral Nuestra Señora de la Asunción e edifícios coloniais. Ali experimentamos as tradicionais comidas da cidade, o mezcal, bebida típica artesanal, feita da destilação do agave e desfrutamos do Mercado de Artesanato Benito Juárez por tanta variedade de comidas, bebidas, cerâmicas de barro negro, tapetes de tecelagem, bordados e outros artesanatos diversos, mas principalmente pelos rebozos, um xale tradicional do México, uma importante peça da cultura do vestuário feminino mas que também serve aos bebês e às parteiras tradicionais nos seus cuidados com a gestante.
Rebozo na feira no Zóculo

Tem uma frase de autor/a desconhecido/a que diz que o rebozo é um pano para os ombros, que embrulha o coração das mulheres e prolonga a ternura dos seus braços e é com essa ternura e com o coração caliente que iniciamos esse intercâmbio

Aho! Aha!

terça-feira, 12 de maio de 2015

Cais do Parto promove intercâmbio internacional entre parteiras e escolas



No último sábado, dia 08 de maio de 2015, teve início a Residência Cultural Brasil - México: Oralidade e os saberes das Parteiras Tradicionais. A residência que tem caráter de intercâmbio é promovida pela ESCTA - Escola de Saberes, Cultura e Tradição Ancestral - Cais do Parto, com o apoio do Ministério da Cultura (Edital Conexão Cultura Brasil Intercâmbios) e faz parte de um conjunto de ações que compõem a mobilização permanente do partejar na tradição, que tem no Brasil a liderança da Mestra e Parteira Tradicional Suely Carvalho e de suas filhas, as mestras Marcely Carvalho e Marla Carvalho.
  
Em todo o Brasil, a ONG C. A.I.S. do Parto, há 25 anos, junto à sua Escola atuam permanentemente para a preservação dos saberes tradicionais do partejar de matriz afrodescendente e indígena a partir do legado de mais de 60 mil parteiras tradicionais que existem e atuam nos centros rurais e urbanos. A partir da atuação do Cais do Parto, em 1991, conseguimos garantir a visibilidade dessas parteiras no tecido social.
Além de ações políticas de intercâmbio e articulação, a mobilização implica em garantir que os saberes sejam acessados, zelados e passados de geração a geração nas práticas profissionais, familiares e cotidianas.

O intercâmbio tem sua importância sacramentada no legado cultural de saberes ancestrais das  mestras mulheres curandeiras, rezadeiras e parteiras. Essas mulheres não atuam apenas na saúde física, elas são guardiãs de uma tradição, de modos de vida comunitários integrados com a natureza e com a cosmovisão dos povos originários que com sua matriz cultural, construíram seus saberes com a saúde, com o corpo, com a educação, com as artes, com a espiritualidade, enfim, em todas as áreas do viver. Entretanto, o modelo social vigente não reconhece esses modos de vida e suas ciências, entretanto, se apropriam indevidamente desses conhecimento, infringindo a ética natural não validando o elo entre passado e presente, revelando uma atitude arrogante sem reconhecer a história de nossos antepassados.

O intercâmbio então reunirá representação da ESCTA de 5 estados: Pernambuco, Ceará, Bahia, São Paulo e Santa Catarina encontrando-se com a Escola Nueve Lunas em Oaxaca, trocando saberes e experiências na formação continuada na parteria na tradição a partir dos saberes e vivências com as mestras parteiras tradicionais das duas escolas: Suely Carvalho e Enriqueta Contreras (D. Queta)

Participam dessa viagem: Suely Carvalho (ESCTA - Cais do Parto – Olinda - PE), Sayonara Bezerra Malta (Equipe Cais do Parto - Ilhéus - BA), Denise Cardoso (Jardim de Om – Bauru - SP), Bruna Eilert Barella (Roda de Gestantes e Casais Grávidos de Garopaba – SC) , Thiana Andreotti Ferrarezi (Espaço Materno Jundiaí - SP) e Kelly Brasil (Espaço Flor de Luz – Fortaleza - CE).